terça-feira, 13 de julho de 2010

Diário de bordo

3 de Julho
Não se pode dizer que o dia tenha começado cedo, na verdade foi um prolongamento do dia anterior (há quem resolva não dormir na véspera da partida do Ilhéu Razo; as noites esticam-se sem querer, os dias começam cedo e acabam por se encontrar algures no meio!).
4h da manhã e já estamos todos dentro da traineira prontos para largar as cordas. Vejo S. Vicente ficar para trás. O pessoal vai-se acomodando. Uns resolvem-se pela proa, outros fazem das redes cama, outros recostam-se nas malas e há quem encontre cama em cima de cabines de madeira.
O barco vai balançando há medida que entra mar adentro. A noite ainda revela a metade da lua e o céu reveste-se de estrelas.
O frio vence-nos! Um dos pescadores indica-nos um caminho…vamos seguindo…camas!!! Deixamo-nos embalar. Acordamos com barulho. Subimos rapidamente ainda ensonados. O Ilhéu Razo, por fim, bem na nossa frente!

7 de Julho
A paisagem é soberba. O pôr-do-sol é o mais bonito desde que cheguei a Cabo Verde. Cai lentamente na água, ao lado da pontinha de S. Vicente que se vê bem lá no fundo.
O céu desta noite é também dos mais bonitos de sempre. Já não há lua, mas a quantidade de estrelas ilumina parte da escuridão.
Abandonamos a tenda. Noites assim merecem ser dormidas ao relento. Travo uma luta com os olhos que teimam em fechar…estrelas cadentes perdem-se no infinito. O cansaço vence. Deixo-me adormecer com o som do mar.

8 de Julho

Estou no meio do oceano. Perdida numa ilha que pertence a uma reserva integral, o que significa que quase ninguém (excepto para trabalhos de investigação ou de conservação da natureza) pode vir. Sinto-me uma privilegiada. Há vida por todo o lado. Osgas que se mexem rapidamente à nossa passagem. Cagarras, calhandras, pedreirinhos, João-Preto (ou alma negra) e guinchos que concentram a atenção dos nossos especialistas. Raias que nos deixam mergulhar com elas ao final da tarde. Sítios onde o mar respira, onde o som se torna assombroso e o lugar encantador. Pardais abusados e curiosos que pousam no saco de cama pela manhã. Tartarugas que espreitam do mar. Golfinhos que passam ao largo da costa sincronizados.
O dia cai devagar e a noite começa agora a sua jornada. Ainda é possível ver ilhéu branco e os contornos de S. Vicente ao longe. Ainda não há estrelas…as nuvens pairam no ar. Ouve-se apenas o silêncio (leia-se o som do mar e do vento). Percebemos como somos pequeninos. O quanto fugimos diarimente dos nossos pensamentos, das nossas intranquilidades, de nós mesmos. Aqui não há como fugir. Os minutos parece que esticam e o tempo corre diferente. Como dizia o Tugay (pescador que nos acompanha nesta incursão e um grande filósofo!) “Aqui podemo-nos esquecer do mundo, mas sabemos que ele continua lá à nossa espera!”

 
10 de Julho

Mais uma vez a tarde queda-se calmamente em meditações na falésia!
Hoje foi dia de natal no Ilhéu Razo. As visitas vieram da cidade cheias de mimos. A energia voltou e o céu iluminou-se de estrelas novamente. Nem a garrafa de moscatel faltou nessa noite, acompanhado de uma lagosta e seguido de um peixe fresco grelhado, caprichos de quem tem pescadores de caça submarina a bordo.

11 de Julho
A partida fica adiada para amanhã. Fazemos mais uma das nossas incursões a outra ponta da ilha para uma limpeza. É simplesmente impressionante chegar aquela praia de calhaus e perceber a quantidade de lixo oceânico que chega à costa.
Encontramos mais umas belezas naturais, lagoas cristalinas rodeadas por montanhas. Voltamos ao acampamento. Enquanto se prepara o almoço há sempre tempo para um mergulho no mar. A calema insiste em fazer bater as pernas contar as rochas na hora da subida…mais uns arranhões, uns hematomas, as pernas regressam ao tempos de escola.



As notícias do dia anterior invadiram-nos com tristeza. Não se fala exaustivamente no assunto. Sabemos que será estranho voltar. Sentiremos a ausência.
Ao Kodjack fica uma homenagem sentida! A rua não será a mesma sem ele.
Até sempre!